Helldivers 2 me fez lembrar das fragnights em lan houses jogando Counter-Strike de forma descompromissada, quando fazíamos travessuras como empilhar vários jogadores na base e esperar a equipe adversária rushar e ser dizimada por uma dezena de jogadores munidos de granadas e metralhadoras rambo.
Alguns anos depois, recordo-me intensamente das milhares de horas gastas em jogos cooperativos como Left 4 Dead 2, quando dávamos risada daqueles amigos que berravam ao se verem encurralados e não nos importávamos em jogar os mesmos episódios da história inúmeras vezes todos os dias apenas para nos divertir.
Na última década, contudo, tivemos games semelhantes que tentaram ocupar o hiato deixado neste gênero, como EVOLVE e vários outros jogos independentes. Todos fracassaram.
Hoje, presenciamos uma época onde os jogos live service são o desejo dos executivos de grandes estúdios e onde as microtransações já não são tão mais micro, mas sim o valor de jogos inteiros
Isso nos faz refletir e pensar o quão velho estamos. E o quão douradas foram as eras passadas. Felizmente, atesto que Helldivers 2 veio como um divisor de águas para reviver estes momentos com a sagacidade que nem pensávamos mais existir.
Helldivers 2 Uma grata surpresa
Helldivers 2 é um jogo de tiro cooperativo desenvolvido pela Arrowhead Studios, publicado pela Sony no PS5 e no PC. Simultaneamente, em ambas plataformas, é a primeira vez que isso acontece.
Ele é a sequência direta do bem quisto Helldivers, que era um jogo de notável admiração, porém que não decolou tanto por trabalhar uma visão isométrica com pouca visibilidade midiática 9 anos atrás.
“Nem mesmo os problemas desastrosos
do lançamento tiraram a boa impressão inicial”
Desde então, a Arrowhead veio calculista e silenciosamente preparando esta maravilha de jogo que nem sabíamos o quanto queríamos e o quanto precisávamos. E nem mesmo todo o lançamento conturbado — a realidade é que nem a empresa esperava o sucesso, o que trouxe inúmeros problemas pela disponibilidade de servidores e falta de otimização — foi capaz de frear e manchar a impressão positiva inicial ao redor do globo.
Bem, e o que é este jogo? Em poucas palavras, estamos num cenário de ficção científica completamente satirizado no qual os líderes da Superterra convenceram a população a se alistar em uma guerra sem fim contra robôs autônomos controlados por IA e alienígenas nojentos e inescrupulosos que ameaçam nossa espécie de extinção, avançando sobre as estrelas. Tudo em nome da “liberdade e democracia”. E bota aspas nisso.
A premissa é simples e direta: não há uma campanha ou uma história com muitos detalhes. A não ser que considere a paródia do patriotismo americano algo realmente profundo, é claro.
Você é basicamente um soldado de uma força militar descartável e sem qualquer carisma que precisa espalhar a democracia e a liberdade em toda a galáxia metendo em bala em tudo que se mexe em territórios hostis com seus esquadrão suicida.
Ou seja, você vai cair em um território completamente ferrado, explodir a maioria das coisas, matar os inimigos e pegar seus espólios até que a galáxia esteja completamente a salvo. E repetirá isso indefinidamente. Essa é a história e a premissa do jogo.
A última linha ofensiva da galáxia
Mas se não tem história e o ciclo se repete, por que você deveria jogar? Como eu disse: explodir coisas, meu bem. É divertido. Mas há mais que isso. O legal de Helldivers 2 é que há uma quantidade enorme de tipos de missões aqui, todas com territórios procedurais que exigem cooperação de verdade.
“A tropa estelar chegou
para explodir com força”
As tarefas são em sua grande maioria bem rápidas e é possível dizimar desde ninhos de monstrengos com pistolas e até disparar uma bomba atômica para acabar com esses desgraçados — o que certamente é prazeroso.
Em missões de recuperação de objetos valiosos, por exemplo, você cairá em uma grande área, matará grandes hordas de inimigos para encontrar o item que buscava; então precisará criar estratégias para defendê-lo e transportá-lo até outra área do mapa enquanto milhares de inimigos surgem em todos os lados.
Finalmente, após resistir, você ainda precisa extrair todos os colegas em segurança para então receber a saudação de “Missão cumprida” antes que o tempo acabe.
Só que isso tudo é apenas o objetivo principal. Paralelamente, você terá vários objetivos secundários ao longo do caminho que podem fornecer mais experiência, armas e armaduras superiores, dando aquele gostinho de “vou só jogar mais uma partida antes de dormir” para ver o que consigo algo diferente.
O looping infinito de Helldivers 2 é, portanto, fazer o matchmaking, escolher uma missão, pousar, completar o objetivo principal, fazer o máximo de objetivos secundários que puder ao longo do caminho e tentar escapar com vida.
Tudo dentro de um prazo determinado e com um número limitado de ressuscitações. Quanto mais eficiente for sua matança dentro do tempo e mais difícil a missão, melhor serão suas recompensas finais.
Falando assim pode até parecer maçante, mas a Arrowhead conseguiu a proeza de criar um dos jogos mais divertidos desta geração. E a resposta está no fantástico gameplay.
Tudo está em risco
A escolha de um shooter em terceira pessoa foi arriscada, porém foi a aposta certa. Ouso dizer que estamos diante de um dos melhores jogos de tiroteio neste modelo. Estamos tão acostumados com shooters em primeira pessoa com jogabilidade ágil e instantânea, que nos esquecemos como elementos de peso de equipamento, velocidade de recarga e cadência podem modificar completamente a jogabilidade de um game.
É por isso que provavelmente algumas pessoas não gostem muito do que a Arrowhead tentou fazer aqui. Você não está no Fortnite em que pode trocar de arma e disparar como se fossem apenas skins coloridas.
Em Helldivers 2, o recuo da arma é agressivo, os inimigos são tensos e se movem muito rápido, saltando no ar e correndo em sua direção alopradamente.
“Estamos diante de um dos melhores jogos de tiroteio neste modelo.”
Muitas vezes, é necessário encontrar o ângulo certo para matar a maior quantidade de alienígenas ou de robôs com a escassa quantidade de munição que tem à disposição. Recarregar loucamente também não é uma opção viável, pois fazê-lo antes de terminar todas as balas descarta-o completamente. Cada tiro precisa valer a pena.
A movimentação é outra mecânica divertida e de destaque. Ela é super responsiva, permitindo que você role e mergulhe pelo cenário para se proteger e se abrigar das explosões e criaturas que querem colocar você a sete palmos do chão.
Sendo assim, o combate é caloroso e frenético. E o jogo acerta em cheio na ambientação, no feeling que transmite através da atmosfera criada, sabe como? Quando falo disso, estou elencando gráficos bem detalhados e um design de som extremamente impactante, onde cada desmembramento e gosma pode ser sentido. No PS5, graças ao DualSense, essa experiência recebe uma camada a mais por conta do feedback tátil.
Em suma, temos uma sinfonia completa de fluidos, gases espirrando, explosões e vísceras rasgando por todo o cenário. E é por isso que os inimigos nem têm barra de vida. Basta olhar se estão mutilados ou esquartejados para ter a certeza que estão destruídos.
A trilha sonora heróica e típica dos filmes dos anos 90 também contribui para gerar um ambiente imersivo. Toda vez que estou para entrar num pod e despencar em um bioma diferente me deixa extremamente animado para o que virá como no filme No Limite do Amanhã, com Tom Cruise.
Crocante, suculento e pegajoso
Visualmente, o jogo é muito competente e oferece paisagens e climas bem diversificados. Partículas e iluminação dão show à parte, com destaque pessoal para a névoa, que é tão espessa que você não consegue enxergar a silhueta dos inimigos — que sorrateiramente estão preparados para dar o bote.
Em muitos momentos, você vai se encontrar diante de um filme de terror com muita fumaça e luzes brilhando ao fundo, com balas atravessando e você torcendo loucamente para que não sejam os aliados que estejam grunhindo, afinal o fogo amigo existe e não perdoa.
A variedade de inimigos também é ótima. Não são apenas mobs remendados e copiados à exaustão. Cada um deles têm pontos fortes e fracos completamente diferentes e você vai passar alguns dias aprendendo as estratégias necessárias para dominar como detonar cada um deles.
Por exemplo, com os insetos, existem criaturas recém-paridas que não aparentam ser muito ameaçadoras, mas como velociraptors, em conjunto tornam-se implacáveis. Por outro lado, os maiores são fortemente blindados e você precisará de armas de maior calibre e o ângulo certo para perfurá-los. E bem, os gigantes exigem… Armas bem gigantes também.
Não vou falar dos robôs operados por IA para não estragar a surpresa, mas você vai ficar apreensivo a primeira vez que enfrentá-los, isso eu garanto!
“O jogo é tecnicamente muito competente e oferece paisagens e climas bem diversificados”
Outro componente fundamental do seu set são os estratagemas: um conjunto de habilidades que você pode usar e comandar lá da nave para auxiliar na superfície. Para dispará-los você deve efetuar sequências de comandos. E eu amei porque você precisa estar realmente concentrado para usá-los, não é só apertar um botão, mas praticamente acertar um Konami Code enquanto as coisas voam e pegam fogo ao seu redor.
E, bem, no arsenal de estratagemas temos coisas com bombas, metralhadoras grandes, ataques aéreos, torretas, foguetes e munições especiais. Só é possível usar 4 desses por vez e há mais de 40 para desbloquear. Feito que ajuda você a ficar viciado na progressão.
Pela liberdade. Pela paz. Pela democracia!
Falando em progressão — e diferente da review que fiz sobre Esquadrão Suicida —, em Helldivers 2 temos de fato um jogo pensado com mecânicas vivas, coletivas e evolutivas. Ao fazer a primeira missão, você notará que há um mapa da galáxia e terá que selecionar um planeta que está em guerra.
Lá, você vai ver que existe uma grande quantidade de territórios em cinza, indicando que a comunidade liberou esses planetas. Os mais distantes são aqueles que os inimigos ainda precisam ser empurrados em direção às trevas. Em outras palavras, cada planeta possui um “vai e vem” entre humanidade e inimigos acontecendo, e o progresso depende de toda a comunidade.
Por isso, há uma infinita quantidade de lugares que ainda não vimos e nem veremos a não ser que todo mundo que jogue empurre os inimigos para sucumbi-los e liberar novos setores. E se dá pra dizer que há uma narrativa, ela se trata desta mecânica.
Se hoje vencemos os alienígenas e libertamos um setor, após 3 dias podemos ter perdido um terreno próximo da Superterra para as máquinas e precisamos defender nossas posições.
Aliás, na mecânica de progressão e monetização do jogo, existem duas vias principais: estratagemas e requisições. Os estratagemas são desbloqueados com créditos obtidos em missões, enquanto as medalhas adquiridas permitem acessar itens na seção de requisições, funcionando de maneira similar a um Passe de Batalha.
Este sistema inclui uma versão gratuita e outra premium. O objetivo é completar todos os itens de uma página antes de avançar para a próxima. Diferentemente de muitos jogos com serviço contínuo, o passe gratuito oferece itens valiosos como armas e armaduras, em vez de simples emblemas ou boosters. Já a versão premium apresenta recompensas diferentes e exige mais tempo para ser explorada.
“Helldivers 2 sabe dizer não ao modelo pay to win.”
Recentemente, surgiu uma leve polêmica sobre o jogo ser classificado como “pay to win” devido à presença de variantes de armas e armaduras. No entanto, não concordo com esta visão.
Minha opinião não se baseia no fato de o jogo ser exclusivamente PVE, mas sim porque não observei nenhum elemento que ofereça uma vantagem significativa, especialmente considerando o sistema de dificuldade do jogo. Claro que isso pode mudar em algum momento, no entanto por enquanto está dentro dos conformes.
A prova real de que jogos de serviço podem funcionar
O modelo como serviço vivo de Helldivers 2 faz sentido e talvez seja a melhor configuração já vista em títulos que almejam vencer neste mercado mantendo a base ativa por tantos anos.
A façanha é criar um jogo em que você não tenha que ficar batendo ponto. Ou seja, significa que ficar alguns dias sem jogar pode até ter uma perspectiva emocionante, pois você verá uma disposição bem diferente da qual deixou.
Podemos imaginar que no futuro fazer login em uma semana terá uma lista completamente diferente de locais para a próxima, e é possível ver a revelação desses planetas eventualmente agrupada com novos objetivos, tipos de inimigos e até estratagemas, como veículos e mechas (quem sabe uma hora veremos?).
“É viável encarar os níveis fácil e médio sem companhia, mas para desafios mais elevados, a presença de aliados se torna quase indispensável”
Agora, uma dúvida recorrente pode ser: é possível jogar isso sozinho? Se por “sozinho” você entende realizar missões completamente por conta própria, a resposta é sim, embora haja limitações quanto à progressão na dificuldade.
Isso ocorre porque a dificuldade do jogo não se ajusta ao número de jogadores em um esquadrão; ela é fixa e projetada pensando no aspecto cooperativo. Portanto, embora o jogo seja acessível para jogar casualmente, sem necessidade de grindar equipamentos ou superar barreiras de nível, jogar sozinho apresenta seus desafios.
Conclusão: Helldivers 2 vale a pena?
Helldivers 2 é a comprovação de que combinação de estrutura de missão, movimentação, manuseio das armas, tipos de inimigos e estratagemas pode resultar em um jogo mais estratégico do que aparentemente é.
Ele revive a nostalgia de embarcar em aventuras cooperativas caóticas com amigos, com uma jogabilidade precisa e uma atmosfera envolvente, rindo juntos da loucura que é o jogo. Além disso, é muito bom desfrutar de um game que se mantém distante das tendências predominantes da indústria, focando mais na diversão pura do que em sistemas de progressão complicados ou monetização agressiva.
O jogo tem sim seus desafios técnicos, sobretudo na sobrecarga de servidores e problemas de otimização. Mas apesar dessas questões terem sido um incômodo inicial, elas não chegaram a comprometer minha experiência geral com o jogo, já que a desenvolvedora está ativa e lançando patches recorrentemente.
Enquanto os Estúdios Arrowhead puderem manter a bola rolando e resolver esses problemas técnicos, não tenho problema em dizer que é uma experiência multiplayer soberba e que certamente vale a pena o seu tempo.
Helldivers 2 é suculento, crocante e você se lambuza no final. No fim das contas, o jogo é simplesmente divertido, e não é isso o que realmente importa?
Prós
Jogabilidade cooperativamente rica
Diversidade de missões e ambientes
Gameplay satisfatório e estratégico para um shooter
Ambientação altamente imersiva
Possui sistema de progressão que funciona
Comunidade ativa
Contras
Desafios técnicos de disponibilidade de servidores
Necessidades críticas de otimização
Jogadores trolls podem causar impacto negativo na experiência com facilidade
Jogabilidade solo limitada
Helldivers 2 está disponível para PC e PlayStation 5. Jogamos o game via Steam, com um código gentilmente fornecido pela Sony.