Toda obra artística, seja ela de que espécie for, tem um direito autoral, ou seja, alguém responde por sua criação. Mas um quebra-cabeça tem se originado com o surgimento de obras oriundas das novas tecnológicas da Inteligência Artificial. Legisladores de vários países ainda não chegaram a um acordo sobre quem é o responsável pela criação a partir desses novos recursos. André Belfort, advogado na área da propriedade intelectual, coordenador da área de Clearance da DNRF, onde está à frente da análise de Direitos Autorais e Direitos da Personalidade em projetos audiovisuais, participou de um debate a respeito do tema durante o Festival Internacional Lanterna Mágica, voltado a produções de animação, que aconteceu de 19 a 24 de março, em Goiânia (GO). A seguir, trechos de sua fala, em que tenta responder: como aplicar o Direito Autoral nas produções oriundas da IA?
“Ainda não existe uma resposta clara para isso, inclusive sobre quem que é o titular de algo que vem sendo criado por uma ferramenta de inteligência artificial. O mundo inteiro está tentando responder a esta pergunta. E a gente tem que ter uma segunda discussão sobre os dados. Possivelmente todas as fotos que a gente postou em rede social, que não estavam num perfil fechado, já foram em alguma medida utilizadas para treinar algum modelo de inteligência artificial. E nenhum de nós foi perguntado sobre isso. Nenhum de nós foi perguntado se quer ver as fotos ali, com seu rosto dentro de uma gigante base de dados de inteligência artificial, que eventualmente uma pequena fração disso será usada para criar uma figura humana, que não é real.
Sobre autoria, a legislação tem uma resposta muito interessante, que é verdade no Brasil, nos Estados Unidos, na maioria dos países ocidentais: ‘Sentei na frente de uma ferramenta de inteligência artificial e criei alguma coisa a partir disso. Quem é o autor dessa coisa que nasceu?’. Essa coisa nasce sem autor, é filho sem pai, por definição legal, a única pessoa que pode criar uma obra, objeto de proteção do direito autoral, é o ser humano. A legislação até usa uma expressão poética, que é ‘a expressão do espírito humano’. Por isso a gente entende que um software não pode ser titular de direito autoral, ainda que ele tenha aprendido com seres humanos. A gente tem um caso famoso: alguns anos atrás uma foto ficou famosa ao mostrar um macaco sorrindo para uma câmara. Na verdade, foi uma selfie tirada por acidente pelo próprio macaco. Teve uma batalha judicial porque queriam que o macaco fosse reconhecido como titular dos direitos autorais. A decisão da Justiça americana foi ‘não’, o macaco não poderia ser titular pelo mesmo motivo de uma ferramenta de inteligência artificial. Então quem é o criador? Hoje a melhor resposta que a gente tem é que, de fato, não existe um criador, é como se essa obra nascesse pertencendo a todo mundo.
A não ser que haja uma pessoa desenvolvendo essa arte, ela nasce sem uma proteção por direitos autorais. Isso quer dizer que tudo que é desenvolvido por inteligência artificial é amplamente disponível para uso? Sim e não. As proteções vão começar a ir para outros lados. Porque a gente tem alguns donos desses direitos, que hoje normalmente vão ser as próprias empresas que desenvolvem as ferramentas de inteligência artificial e os limites do que eu posso ou não posso fazer com isso vão estar nos termos de condições. Na prática, o que limita o que consigo ou não fazer com o resultado do uso dessas ferramentas é o contrato que assinei dos termos de condições. Apesar de ter essa resposta clara gera um vácuo enorme”.