Quando as oportunidades se apresentam para as pessoas certas, obras como Saviorless surgem para nos agraciar.
Este não é o primeiro jogo a ser desenvolvido em Cuba por cubanos; este não é o primeiro jogo cubano a chegar a uma plataforma digital; tão pouco é um jogo para falar sobre política – diretamente – como alguns de vocês podem pensar; esse é um jogo que conta uma história cativante e que nos mostrar o potencial dos desenvolvedores cubanos.
Saviorless chega nesta terça-feira (02) para PC (GOG, Steam e Epic Games Store), PlayStation 5 e Nintendo Switch. Desenvolvido pelos cubanos do Empty Head Games e publicado pela Dear Villagers, da França, o jogo não traz a batalha apenas nas belas animações e narrativa bem conduzida, mas também na longa jornada que os desenvolvedores tiveram que encarar para que seu jogo fosse lançado.
No texto abaixo eu conto mais sobre o jogo e um pouco sobre os desafios que os desenvolvedores enfrentam para que o seu fosse o primeiro jogo cubano a ser lançado internacionalmente.
Conhecendo Saviorless
“Saviorless é um jogo de plataforma de fantasia sombria, com lindas animações e arte desenhadas à mão. Ele acompanha dois personagens principais na tentativa de escapar de um lugar amaldiçoado conhecido como Ilhas Sorridentes”, essa é a definição dada pelo estúdio Empty Head Games para seu jogo.
O que eu posso dizer em primeira mão é: se trata de uma experiência elaborada com muito carinho e dedicação.
Saviorless apresenta uma arte belíssima, contando inclusive com animações para algumas cutscenes. É um jogo de plataforma 2D composto por arte animada e não pixel art. Essa decisão é acertada, pois todo o tom da atmosfera sombria ao qual somos apresentados encaixa perfeitamente com essa escolha artística. E já lhe adianto que em diversos cenários você terá vontade de parar e ficar admirando cada pequeno detalhe.
Antar e Nento disputam a narrativa. O primeiro sem saber seu futuro e o segundo querendo controlar tudo.
No jogo acompanhamos a jornada de Antar, um jovem que busca chegar às Ilhas Sorridentes, se tornar um Salvador e mudar o destino da história de todos. História essa que é conduzida por um trio de Narradores que divergem sobre o final, que já está escrito e deve ser o mesmo sempre – segundo o mais velho dos três. Entretanto, os outros dois pensam diferente e resolvem interferir, o que ocasiona a adição de um novo protagonista que quer controlar a história: Nento.
“Um caçador implacável obcecado por controle, ele fará o que for preciso para se tornar o protagonista inesperado desta história, mesmo que tenha que aniquilar tudo em seu caminho, inclusive seus seguidores.”
Antar enfrenta diversos desafios durante sua campanha para se tornar um Salvador e derrotar o sanguinário Nento. Durante o desenrolar desta aventura vemos ao fundo, em cada novo cenário, elementos que contam a história cruel da trajetória dos Salvadores. Neste ponto, para mim, Saviorless se destaca muito, pois, como eu disse acima, a escolha do estilo de arte é que dá o tom e nos faz apreciar e ficar curiosos quanto a construção de sociedade das Ilhas Sorridentes.
O jogo é uma batalha injusta de narrativas. Um embate entre Antar e Nento, que conta com a manipulação dos Narradores, que esperam que as coisas se resolvam exatamente do mesmo jeito que sempre se resolveu. E o grande atrativo de Saviorless é acompanhar o desenrolar desta história.
Contemplação e sanguinolência
Saviorless apresenta conceitos bem atraentes e uma narrativa sombria que nos faz querer saber mais sobre o mundo de Antar e Nento
Se existe uma comparação a ser feita, Saviorless se parece muito com GRIS, da Devolver Digital. Digo isso pela sua contemplação. Não que o jogo entregue “apenas” isso – o que já seria muita coisa -, mas a jornada de Antar é uma descoberta visual a cada novo espaço que você chega. Sinceramente, eu gostaria muito de ver as ideias que foram apresentadas ali expandidas, seja num outro jogo, animação ou numa graphic novel.
Quanto a gameplay, volto ao GRIS – por suas similaridades de jogatina e arte -, pontuando que se você já jogou o game da Devolver, com certeza tem uma ideia do que lhe aguarda aqui, quanto a mecanicas de deslocamento, pulo, interação e solução de puzzles. Aliás, os quebra-cabeças são parte essencial da experiência em Saviorless e, muitas vezes, bem punitivos, exigindo muita precisão do jogador – tive que rejogar vários momentos por não executar no tempo certo alguns passos.
Talvez aí esteja o único ponto que posso apontar como negativo na jogatina de Saviorless: alguns checkpoints são mal posicionados, fazendo com que o jogador tenha que voltar demais na fase para executar algo em que tenha falhado ou mesmo para pegar algum coletável que tenha deixado para trás.
A parte contemplativa e de resolução de puzzles fica com o personagem Antar; Nento e o Salvador, são dois personagens combativos e que contam com ataques e dash. Para o Salvador existe o acréscimo da necessidade de abastecer a sua barra de energia de forma contínua, pois ela não para de esvaziar, e o jogador deve fazê-lo abatendo inimigos e destruindo objetos no cenário.
Em sua jogabilidade, Saviorless apresenta a dualidade de ideais entre o protagonista e o antagonista. Antar em sua busca pela garça que o guiará em seu caminho para se tornar o Salvador e Nento tentando dominá-la e destruí-la.
Havana também brilha nos games
Saviorless é sobre uma grande batalha para cumprir um destino. No jogo temos Antar tentando alcançar seu objetivo e na batalha da vida real temos David Darias e Josuhe Pagliery tentando lançar o game. Abaixo deixo um vídeo dos dois desenvolvedores que estão a frente do projeto, contando um pouco sobre suas vidas e os desafios que enfrentaram para lançar Saviorless:
Podemos traçar algumas analogias ao longo do jogo: como a ilha prometida; uma narrativa com destino traçado; a inocência que vai se perdendo; um mal necessário para progresso. É claro que são minhas impressões sobre o que me foi apresentado.
Nada em Saviorless é óbvio. Mesmo o que pode parecer para alguns apenas mais um jogo independente, na verdade é uma batalha de oito anos para conseguir realizar um sonho. Esse é o primeiro jogo cubano a ter projeção internacional e ser lançado por uma publisher estrangeira. Os desenvolvedores passaram por muita coisa, desde a falta de estrutura, equipamento, financiamento contínuo para realizar o jogo e principalmente ter visibilidade. Aspectos comuns para muitos desenvolvedores brasileiros, mas que em Cuba são ainda mais intensos.
Sem um mercado maduro, desenvolvedores cubanos tem muito obstáculos para lançar seus jogos
Após tantos desafios, a relevância deles deu resultado, e hoje podemos experienciar Saviorless, o primeiro jogo cubano que tenho a oportunidade de jogar e que recomendo darem uma olhada, pois é um jogo fascinante, com desafios instigantes, cenários belíssimos (e sombrios) e música arrebatadora.
Saviorless está disponível para PC (GOG, Steam e Epic Games Store), PlayStation 5 e Nintendo Switch.
Recebemos Saviorless, em sua versão para PC via Steam, gentilmente cedido pela Dear Villagers para realização deste texto.